quinta-feira, 22 de abril de 2010

Você tem fome de que?




Neste mês de abril de 2010 a mídia internacional pautou assuntos da pedofilia e do caos aéreo. Sobre pedofilia li o texto do sociólogo Máximo Introvigne alisando o assunto como uma “hiperconstrução social” pensada pelos “empresários morais” que se ocupam em produzir pânicos morais. Eles não inventam um problema, o ponto de partida é sempre real, mas exageram suas dimensões estatísticas. O assunto do caos aéreo, aqui em Moçambique passou de longe. Das pessoas que convivemos ninguém fala nem de pedofilia e nem de caos aéreo.
Aqui por onde andamos fala-se de fome e de comida. Aqui nos interiores, tempo de chuvas é tempo de fome. Uma refeição diária é realidade de muitas famílias camponesas. Tudo vira comida: Folhas de mandioca, cupins, sapos e ratos é alimento em muitas regiões. A vida gira ao redor da comida. Ter ou não ter o que comer diariamente é assunto central. É comum ver as crianças mastigando um pedaço de mandioca seca; é o café da manhã. Sempre tenho tentação de comparar com crianças que tem leite com chocolate e bolachas recheadas.
As mulheres no encontro de formação paroquial me colocaram uma preocupação: “Porque não somos consideradas em nossa paróquia”. Comecei investigar com elas o que significa ser considerada. Falavam que nas festas não eram contadas na hora da comida. Os animadores na hora de fazerem listas daqueles (as) que irão comer, não as contaram, incluindo pessoas de outros ministérios. É assunto grave. Contar ou não contar para comida. Os animadores me responderam que às vezes não são contadas porque não há comida para todos.
O Evangelho daquele dia tratava de comida. “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede” (Jo6, 35). Comecei a pensar nas palavras das mulheres e das crianças que vivem a realidade da fome. Pensei em outras fomes e sedes que caracterizam a sociedade capitalista e consumista. O mercado estampa nos menus uma variedade de produtos que não saciam. Corremos atrás daquilo que promete realmente saciar. É uma frustração quando fizemos sacrifício para ter aquilo que pensamos saciar e no fundo não sacia. É algo insaciável. No campo afetivo quantas necessidades e buscas. Na vida das relações quanta sede de poder e promoção. Deus, realmente nos fez insaciáveis no âmbito fisiológico, psicológico e espiritual. Dizia Agostinho: “Meu coração está inquieto. Não descansa enquanto não repousar no Senhor”.
De fato, as fomes e as sedes da humanidade poderiam ser assuntos relevantes na pauta dos “empresários morais”. Poderiam fazer algo de positivo. Falar de fome, suas conseqüências e possíveis respostas. Jesus tratou do assunto, mas não sei se já entendemos. “Quem vem a mim não terá mais fome”. No horizonte de nossos desejos, fomes e buscas, Ele está na lista? Damos tempo para ouvi-lo? A promessa é extraordinária: uma realidade que sacia plenamente. Não ter mais fome e nem sede é utópico num mundo paradoxal de fome e de consumo.
Quando se come deste pão o compromisso aumenta. É uma comida e uma bebida que aponta para utopias onde a lógica é outra. Nesta perspectiva nova, o tempo não significa dinheiro e sim acontecimento. Nas ruas de Moma onde vivemos a cena parece de outro mundo. Nas varandas das casas os pais, envolvidos de filhos desfrutam da vida sem fomes e sedes que produzem estresse. Pelo contrário os olharem e sorrisos que vemos são de pessoas saciadas que já descobriram a comida que dá sentido e saciam vidas.
Talvez nos falte este tipo de apetite eucarístico de ir até Aquele que sacia de sentido existencial mais profundo. As migalhas do mercado nos iludem e nos frustram num círculo vicioso. Que o Pai nos atraia ao encontro de Jesus o pão da vida, descido do céu. Amém.

Pe.Maurício da Silva Jardim
Missionário em Moçambique

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Nascer do alto


Pentecostes é a grande festa do Espírito. Convite para re-nascermos do alto. Nascer do alto é algo misterioso. Nicodemos já colocara a questão: “Como é que alguém pode nascer se já é velho? Poderá outra vez entrar no ventre de sua mãe?” (Jo3,4).
Para nascer de novo é preciso respeitar o tempo de gestação no Espírito. Para gerar vida no Espírito, qual seria o tempo necessário? Difícil responder, pois a lógica que segue o Espírito é outra. O tempo de Deus é outro.
Confesso que sempre tive a sede de nascer do alto. Ser um homem guiado pelo vento do Espírito e não pelos instintos da carne. Mas esta é uma luta desigual entre carne e espírito. Até hoje não compreendi bem o que significa nascer do alto, da água e do Espírito. Tenho a intuição que esta realidade começa lá dentro, no lugar mais escondido, no coração de cada pessoa. É lá que silenciosamente o Espírito atua, sem grandes barulhos de vozes ou ruídos que possam ser ouvidos. Parece estranho, nascer de novo, do alto e do Espírito.
Na noite de pentecostes de 2008, aconteceu algo estranho comigo ao ler uma das cartas do Pe.Fabiano Dalcin, missionário na Igreja irmã em Moçambique. Nela relatava sua experiência de missão e no final fazia um apelo: “Peço também, e é por isso que vos escrevo, que se unam às minhas orações para pedir ao Espírito Santo que ilumine a Igreja do Rio Grande do Sul e os bispos do regional sul 3, afim de que encontrem meios e pessoas de boa vontade para serem enviados como missionários e missionárias, de modo especial sacerdotes, para darem continuidade a este projeto missionário em Moçambique”(Pe.Fabiano, maio de 2008). Naquela noite relacionei este texto com outros apelos do Espírito. Entre eles o retiro pregado por dom Jaime Kohl, onde nos falava do projeto Igreja solidária com Moçambique. Neste retiro já sentira o apelo do Espírito em partir para missão, mas resisti pensando dar este passo mais tarde. Na mesma noite de Pentecostes decidi escrever ao Pe.Camilo Pauletti, missionário que já esteve seis anos em Moçambique. Relatei minhas inquietações dizendo-lhe também de sete motivos para não partir. Ele contudo, começa respondendo: “Bendito seja Deus, que nos provoca, chama e nos deixa inquietos. Você com este sopro do Espírito, faz a gente acreditar que o Senhor não abandona os mais pequenos”.
Já havia compreendido que para partir seria preciso o parto tão difícil e arriscado. Tomei coragem e fui conversar com Dom Dadeus Grings colocando estas inquietações. Simplesmente ele respondeu: “Quem somos nós para ir contra o Espírito Santo”. Desde aí não olhei mais para traz. O apelo que tanto inquietou tomou seu rumo e me fez atravessar o atlântico ao encontro do desconhecido.
Aquele pentecostes de 2008 foi de fato estranho. Começo acreditar que nada de bom acontece na Igreja e em nossas vidas que não nos seja dado do alto, do Espírito que nos foi concedido pelo Pai em comunhão com o Filho. O parto continua a cada pentecostes e a cada dia. É preciso sempre nascer do alto. Assim diz a epístola aos Romanos: “Nós sabemos que toda criatura geme ainda agora e sofre as dores da maternidade. E não só ela, mas também nós, que possuímos as primícias do Espírito, gememos interiormente, esperando a adoção filial e a libertação do nosso corpo” (Rm8, 22).
Comecei entender também que pentecostes é o dia do envio. Neste dia está a essência missionária da Igreja. Naquele dia Jesus reunido com seus discípulos diz: “Assim como o Pai me enviou, também eu envio. E depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: Recebei o Espírito Santo” (Jo20,21-22).
Continuo suplicando que o Espírito suscite inquietações e apelos no coração da Igreja que nos envia. Estamos agradecidos também pelo apoio financeiro que nos mantém na missão de duas paróquias com 140 comunidades na diocese de Nampula. Somos uma equipe de cinco pessoas, dois padres e três leigos. Estamos confiantes que neste pentecostes o Espírito suscitará com sua força homens e mulheres que se deixem nascerem do alto e partirem onde o próprio Espírito os enviar.

Pe.Maurício da Silva Jardim
Missionário em Moçambique