segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Peregrinação missionária


Terminada as celebrações natalinas onde tive a oportunidade de visitar em dez dias dez comunidades, volto para casa em preparação a uma peregrinação missionária de quinze dias, visitando quinze comunidades. Serão mais de oitenta quilômetros a pé, levando comigo o mínimo necessário, buscando aproximar-me da realidade do povo Macua.
Irão comigo três seminaristas do seminário maior da arquidiocese de Nampula: Mateus, Otávio e Agostinho. São vocações de uma das paróquias que sou pároco. O seminário os envia para férias com uma carta, solicitando acompanhamento e avaliação dos serviços realizados em um mês na paróquia.
A novidade desta peregrinação já se espalhou pela paróquia e muitos me perguntam: Padre porque ir a pé se o senhor tem carro? Tento dizer que foi uma inspiração do ano paulino. São Paulo caminhou muito a pé e não mediu esforços para comunicar a boa notícia de Jesus Cristo e seu Evangelho.
Além da motivação do ano paulino e da vontade de conhecer as comunidades, fiz este programa de visitas porque já percebi a repercussão de uma visita do padre. É uma festa quando chega a equipe missionária, porque algumas comunidades ficam um, dois ou até cinco anos sem celebrar a eucaristia. O povo se organiza e todos os ministérios da comunidade são envolvidos. São momentos fortes de evangelização, partilha, novidades, dança e celebração da eucaristia que ocupa lugar central.
O programa da peregrinação combinado com os anciãos, pastores da comunidade, é: visita as casas dos doentes, confissão, encontro com a juventude, celebração da eucaristia, escuta das preocupações e caminhada até a próxima comunidade.
Serão quinze dias “sem” muitas necessidades que tenho: energia elétrica, rede telefônica, fogão a gás, colchão para dormir, sem chuveiro, xícara de café, garfos e facas para comer. No entanto, serão dias “com”: partilha, convivência, oração, deserto, festa e realização pessoal. É muito gratificante estar no meio deste povo, embora sem condições de “fazer” ou “produzir” algo, nem responder a todas preocupações e pedidos, contudo é uma oportunidade única de estar presente de forma gratuita compartilhando a mesma fé no Cristo morto e ressuscitado. Oportunamente irei compartilhar com vocês esta experiência.
Desejo a todos que 2009 seja portador de uma vida renovada no mestre de Nazaré. Paz!



Pe.Maurício da Silva Jardim
Missionário em Moçambique

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Natal em Moçambique





Nesta noite natalina, escrevo inspirado pelo meu encontro com as pobres crianças africanas. Elas me questionam pelo seu modo de vida simples, sofrida e resistente. Não escolheram a pobreza como virtude evangélica, mas porque são de fato pobres. Desde muito cedo, aprenderam buscar água a longas distâncias, ir para roça cultivar mandioca, vender mangas ou pequenas castanhas. São despojadas no falar, no comer e no vestir. Chama atenção que apesar do sofrimento não poupam largos sorrisos. Em toda parte as vejo com olhares curiosos esperando uma palavra ou gesto que se transforma em festa.
Motivado por estas crianças escrevo com o desejo de que nossos corações, nesta noite santa, se voltem para a pobre gruta de Belém para contemplar o mistério do menino recém nascido. Nele, Deus despojou-se e desceu ao nosso encontro para nos ensinar que o caminho da felicidade autêntica e verdadeira passa pelo mistério da Encarnação. Neste dias tenho refletido que para perceber o real sentido desta noite feliz é necessário também despojar-se e descer ao encontro das pessoas, sobretudo as mais pobres e necessitadas.
Certamente, passarei um Natal diferente dos demais. Em nossa mesa não teremos as especialidades que costuma degustar. Será uma noite sem luzes, músicas e fogos de artifício. Não terei comigo os amigos(as) e familiares que amo. No entanto restará o silêncio da noite que me possibilitará ouvir o cântico dos anjos entoando: “Glória a Deus nas alturas e Paz na terra aos Homens de boa vontade”.
Sempre nas rezas peço para que toda a Igreja seja missionária no lugar onde está situada. Carrego vivo a expressão do documento de Aparecida: “É preciso sair de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária”. Nada de ficar preso as estruturas que impedem de ir ao encontro das pessoas. Sejamos livres para a missão. Para isso precisamos a cada dia viver a graça da “conversão pastoral”.
Gostaria que nesta noite pudéssemos estar celebrando juntos. Como isto não será possível, estaremos em comunhão no mesmo sentimento para escutar os pastores dizendo: “Eis que vos anuncio uma grande alegria que será para todo o povo, nasceu para nós o Salvador que é o Cristo Senhor”.


Feliz Natal!

Pe.Maurício da Silva Jardim
Missionário em Moçambique

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

A alegria que vem do sofrimento



Na vida cotidiana do povo Moçambicano há uma mistura paradoxal de alegria e sofrimento. É um povo que sofre pela falta de necessidades básicas de alimentação, água potável e atendimento na área da saúde. Caminham longas distâncias de até 50Km em busca de atendimento médico, e na maioria das vezes voltam para casa sem solução. Muitos ainda se deslocam 15Km em busca de água. As lideranças da paróquia percorrem de bicicleta mais de 20Km para uma reunião do conselho paroquial. No entanto não poupam largos sorrisos, olhares serenos e fé confiante para continuidade da missão. Alegria e sofrimento são duas realidades aparentemente contraditórias que caminham juntas e na perspectiva da fé cristã assumem dimensão de ressurreição.
Tenho me lembrado muito de São Paulo aqui neste contexto. Na perseguição, prisão e sofrimento ao invés de escrever uma carta cheia de amargura, convoca a comunidade de Filipenses a alegria: “Alegrai-vos no Senhor! Repito: alegrai-vos!”(Fl,4,4). Inspirado por este grande apóstolo farei uma peregrinação missionária a pé de 80Km, visitando e celebrando em quinze comunidades. Saio de Moma, onde resido, no dia 30 de dezembro e chego em Chalaua no dia 14 de janeiro. Comigo irão três seminaristas da filosofia e teologia de nossa paróquia. Certamente passarei um ano novo diferente dos demais, não menos feliz por acreditar que estou cumprindo uma missão que recebi de Deus.
Pastoralmente ainda estamos celebrando batismos de crianças com visitas nas comunidades. Encontrei a poucos dias uma comunidade que a seis anos não celebrava a Eucaristia, isto num universo de 140 comunidades nas duas paróquias. Na hora de fazer o programa no conselho pastoral nos vemos limitados por não conseguir atender as reais necessidades e pedidos de visita do padre as comunidades. Ficam esperando para que este dia se concretize. É muito desafiador e ao mesmo tempo realizador ser padre neste ambiente de missão. Não há espaço para perder tempo ou ocupar-se com desvios do ministério.
A volta do Pe.Fabiano ao Brasil depois de uma missão bem cumprida, faz com que pessoalmente comece um tempo de deserto e espera de outro padre gáucho para compartilhar esta missão. Sei dos esforços que os bispos e toda Igreja do Rio Grande do Sul estão fazendo para que este compromisso missionário continue além fronteiras. O povo daqui continua rezando pedindo que o Espírito Santo convoque mais missionários.
Desejo a todos(as) que neste Natal nossos corações se voltem para o mistério escondido na pobre gruta de Belém, onde Deus despojou-se e veio ao nosso encontro para nos comunicar que o caminho da felicidade autêntica e verdadeira passa pelo mistério da encarnação. Gostaria de tê-los celebrando comigo de uma forma muito simples, como isto não será possível estaremos em comunhão para ouvir, de lugares tão distantes, a voz dos pastores dizendo: “Eis que vos anuncio uma grande alegria que será para todo povo, nasceu para nós o Salvador que é o Cristo Senhor”. Muita Paz e alegria na missão que o Espírito nos confiou.



Pe.Maurício da Silva Jardim
Missionário na Igreja irmã de Moçambique

domingo, 26 de outubro de 2008

Comunicar-se è preciso....


Curioso, como sou, vou aos poucos descobrindo o universo juvenil moçambicano. Partilho com vocês minha participação num encontro paroquial da Pastoral da Juventude com jovens coordenadores dos grupos das comunidades. Para conhecer um pouco de sua realidade, dividi-os em pequenos grupos com a seguinte questão: O que o jovem pensa, vê, ouve, cheira, fala, faz, sente e por onde anda?
Com olhar sereno, jeito tímido e voz suave disseram que o jovem do norte de Moçambique pensa em prolongar sua vida juvenil e continuar no grupo. Eles vêem jovens sem estudar e sem participar da comunidade. Ouvem coisas boas e ruins, cheiram a novidade da Palavra de Deus. Falam da falta de livros, da preocupação com a salvação e de não se casarem catolicamente. Fazem adultérios, divórcio e caridade. Sentem dificuldades de acesso a escola, de perseverança na comunidade e andam por caminhos de tentações.
É complexo definir o que é juventude neste país de rosto jovem com sessenta por cento da população com menos de vinte cinco anos de idade. Aqui crianças e adultos, na minha visão, participam dos encontros de jovens. Identificam-se como jovens, embora já com filhos e com vida independente.
Andam em grupos, procuram trabalho e lazer. Encontro-os indo para escola, a mesquita, a Igreja e caminhando pelas ruas empoeiradas. Paro nas esquinas para criar comunicação, ouvindo suas dúvidas sobre o mundo da América Latina que apenas ouviram falar. Gostam de futebol, mas não conseguem comprar uma bola. Estão desconectados das informações do que acontece no mundo e na política local.
Embora a problemática de acesso ao ensino de qualidade, ao sistema de saúde falido, a contaminação do vírus HIV, o desemprego, não lhes falta comunicação pessoal e a alegria expressa em largos sorrisos. Valorizam a simples presença. Falam pouco e observam muito. Escondem uma sabedoria na relação com o tempo. Vivem longe da lógica de que “tempo é dinheiro”. O tempo está a serviço da vida e da felicidade. São donos do tempo. Passam horas partilhando vidas e contemplando o mundo ao redor. Comunicam sem palavras que crêem em Deus, comunidade de amor.
Antes de sair do Brasil alimentei-me da novidade dita no documento Evangelização da Juventude: “É preciso aprender a ler, na juventude, as sementes ocultas do Verbo (nº. 80), aprendendo a ver um Deus que é real dentro do jovem no seu modo juvenil de ser, isto é, considerar o jovem como lugar teológico, considerando que Deus nos fala pelo jovem (nº. 81)”. Estas reflexões ficaram vivas no coração. Lembro disso e também aplico no meu encontro com a juventude africana. Sempre repito em voz baixa: Eles são uma realidade teológica que é preciso apreender a ler e desvelar. Este novo olhar tem me ajudado a criar comunicação e superar pré-conceitos do meu imaginário juvenil.
Estou em comunhão com todos(as) que estão celebrando o Dia Nacional da Juventude. Aqui em terras africanas sinto-me entrando no túnel do tempo, longe do mundo das comunicações virtuais. Aqui ainda se pauta a necessidade de construir latrinas e casas de banho no centro de formação paroquial. Outra novidade é o curso de datilografia que quatro lideranças da paróquia estão fazendo. A comunicação é sempre pessoal e talvez seja ainda a forma mais eficaz de criar verdadeiras relações.
Na verdade, tenho pouco a dizer. Proponho-me a escutar mais para desvelar este mistério de Deus que se esconde na juventude no seu modo de ser, agir e comunicar-se.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Ainda não descobri minha missão em Moçambique...

Quarenta dias se passaram desde que cheguei na África e ao chegar o mês missionário encontro na liturgia a inspiradora figura de Santa Teresa do menino Jesus. Seu caminho espiritual carregava a pergunta: “Qual minha vocação na Igreja?”. Lendo os escritos paulinos, ela se deparou com a primeira carta aos Coríntios (capítulo XII e XIII), onde percebeu que nem todos podem ser ao mesmo tempo apóstolos, profetas, doutores, etc..., que a Igreja é formada por membros diferentes e que os olhos não podem ao mesmo tempo ser as mãos.
Meus sentimentos nestes dias trazem a mesma questão. Qual minha missão em Moçambique? Das primeiras vivências permito-me levantar alguns questionamentos:
Quando visito as comunidades e me encontro com as crianças e jovens, tenho a impressão de que minha primeira missão é ser presença gratuita. Não dizer muito, simplesmente ser presença. Visitá-los, ouvi-los, ousar conhecer um pouco de sua cultura, responder suas curiosidades, entrar em suas casas e sentar-se ao chão para uma refeição.
Quando me dou conta da seriedade do itinerário catequético das comunidades. Quatro anos de iniciação cristã. Vejo a necessidade e espera pelos sacramentos do batismo, eucaristia, reconciliação e matrimônio. Os batismos chegam a dois mil em apenas um ano nas duas paróquias que atendemos. Aí percebo minha missão sacerdotal de celebrar os sacramentos e proclamar a Palavra de Deus.
Quando vejo e ouço sobre a falta de água e comida em tempo de seca, penso na missão necessária de apoiar e acompanhar os projetos de construção de poços, cisternas e dos barcos para pesca. São oito poços construídos a cada ano em nossas comunidades e como experiência piloto há duas cisternas e dois barcos de pesca em funcionamento.
Quando estou em nossa casa em Moma, vivo a experiência de descer até Nazaré e viver o cotidiano entre os visinhos do distrito de mais de quarenta mil habitantes. Aqui minha missão é mais oculta, não menos necessária. É neste espaço que permito-me refletir, ler e escrever, claro sem deixar de varrer o chão, lavar roupa e cozinhar.
Santa Teresa, na sua busca vocacional descobriu enfim sua missão: “No coração da Igreja eu serei o amor”. Penso fundamental esta iluminação. Nossas atividades pastorais precisam ter coração, não só cabeça. Os encontros se dão com pessoas e não com idéias e projetos. Aí começo intuir um pouco de minha missão. Mas confesso que nesses primeiros quarenta dias tenho a tentação de dar respostas e de resolver meus questionamentos. Aí surgem exemplos do meio do povo que pregam o evangelho sem usar palavras. Suas vidas falam do caminho do despojamento, da gratuidade e dos valores do Reino de Deus. Impressionou-me no último final de semana três crianças de nove ou dez anos que caminharam quinze quilômetros para participarem dos sacramentos em outra comunidade. Chegaram as 8h na Igreja para celebrarem a eucaristia. Depois do almoço, o Amissi José, o Gildo e a Gilda voltaram conosco porque também em sua comunidade chegara o dia prometido de visita da equipe missionária.
Nos caminhos longos que percorremos pelas estradas de chão cheias de buraco é que me vem estes sentimentos. Estes últimos quarenta dias me fizeram muito bem e talvez sejam os mais intensos do meu caminho percorrido. Tiveram gosto de um retiro prolongado e inquietante sobre minha nova missão. Deus continue me conduzindo por caminhos de abertura missionária onde o evangelizador se deixe evangelizar.

Pe.Maurício Jardim – 1 de outubro de 2008.
Missionário em Moçambique - África

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Caminhos da missão....


Caminhos da missão em Moçambique

Um mês já se passou na missão em mossa Igreja irmã de Moçambique. Escrever em meio a tantas experiências é fácil e complexo. Fácil porque tenho necessidade de relatar tantas novidades, complexo porque é arriscado em tão pouco tempo traduzir em palavras o que vejo, ouço e sinto. Fico também imaginando no que pensarão os leitores destas cartas. Quais seriam suas dúvidas? O que diriam se estivem aqui?
Na conversa com o arcebispo de Nampula, Dom Tomé, fiquei impressionado com o cenário de atendimento às paróquias. Das quarenta e duas, quinze estão sem padre, algumas a mais de dez anos. Aqui as paróquias são realmente grandes em número de comunidades e distâncias. Claro que o cenário é outro e também os desafios pastorais são distintos dos nossos no sul do Brasil.
Eu e o padre Fabiano, atendemos duas paróquias com cento e quarenta comunidades. Gostaria de apresentar alguns dados para compreenderem esta realidade. Só na paróquia de Micane que atendemos existem quatorze mil cristãos, o que representa seis por cento da população. Os demais são praticamente todos mulçumanos e de outras igrejas evangélicas. O nome cristão aqui significa e se identifica com o batismo e participação na comunidade através dos ministérios e partilha no dizimo. Todos os cristãos são dizimistas e participantes das celebrações. Aqui não há o termo católico não praticante, todos católicos praticam a sua fé. Nesta paróquia só nestes últimos oito meses o Pe.Fabiano realizou mil batismos. Sendo setenta por cento de adultos néo convertidos que participaram quatro anos da catequese de iniciação cristã. No distrito de Moma onde residimos a média de cristãos cai para dois e meio por cento. Há mesquistas em toda parte, havendo boa convivência entre as religiões.
Na sombra das mangueiras, celebramos os sacramentos e temos momentos de intensa convivência. São visitas preparadas e esperadas a longo tempo. Na chegada da equipe missionária a comunidade entoa: “Chegou o dia prometido”. Preparam tudo em clima de festa. Oferecem o que tem de melhor. As famílias trazem seus alimentos para serem preparados e partilhados. É bonito de ver a partilha acontecendo. Ao redor do mesmo prato de karacata preparado a base mandioca seca, estão crianças, jovens e adultos. A chegada dos missionários é sempre na véspera dos sacramentos. Há pouco tempo para conviver, contudo muito intenso. Quando saímos, não sabemos quando será a próxima visita. Talvez depois de um ano ou mais.
Nestas visitas me marcam de forma particular a maneira com que somos esperados e visados. Todos os olhos, desde a criança até idosos, estão fixos em nós. É uma espécie de fato que se torna acontecimento. Qualquer gesto, palavra ou mesmo fotografia que registramos tornam-se evento único que desperta naquela multidão um mistura de curiosidade e alegria pela visita tão diferente. Algumas crianças correm de medo e choram pela presença de um branco na comunidade, mucunha como costumam chamar. Dedico muito tempo em inventar brincadeiras e tentar qualquer tipo de comunicação com eles, já que não falo a língua Makua. Ao se verem nas fotos ficam perplexos. É algo inexplicável a repercussão de nossas visitas. Sentem-se reconhecidos pela nossa simples presença. Lá não chegam autoridades civis, enfermeiros ou médicos. As curtas estradas que cortam as roças costumam só passar o carro da equipe missionária.
Daqui de nossa pobre Igreja irmã, dirijo meu apelo a Igreja do Rio Grande do Sul que pense, neste tempo de despertar da consciência missionária, no envio de novos missionários e missionárias, leigos(as), religiosos (as) de modo particular presbíteros que ousam percorrer caminhos da radicalidade evangélica.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Descer é preciso...


Ao norte de Moçambique e no litoral sul da província (arquidiocese) de Nampula, cidade de Moma, está nossa moradia. Estamos rodeados de visinhos que nos ajudam contemplar o mistério da encarnação. Escuta-se uma mistura de sons já no amanhecer às 5h. São vozes de todo lado na língua Macua, choro de crianças, cânticos dos mulçumanos vindo das mesquitas e estranhos ruídos de corvos que sobrevoam a vila de Moma, contribuindo com a limpeza, pois aqui não há lixeiras e nenhum tipo de sistema de saneamento básico. Doutro lado, não ouvimos sons de TV, telefone paroquial e circulação na secretaria. Nossa casa não se vincula a uma igreja ou secretaria. Nela não há água encanada, mas temos a graça de um poço em nosso terreno e desde julho energia elétrica.
Quando eu e Pe.Fabiano Dalcin estamos em casa, aproveitamos o tempo para como em Nazaré lavar roupas, fazer compras, cuidar da horta, faxinar, rezar, andar pelas ruas, tomar chimarrão, partilhar e programar nossas atividades nas duas paróquias de Micane e Larde que possuem aproximadamente cento e quarenta comunidades.
Participando do conselho pastoral paroquial de Micane que tem noventa e seis comunidades, percebi que tenho novas e distintas inquietações pastorais. De fato, é outro mundo e outra experiência de Igreja. O conselho é composto de quatorze animadores zonais e oito animadores paroquiais dos projetos permanentes. Ficam reunidos um dia meio a cada três meses. Cada membro do conselho, todos homens, prestam contas de suas atividades através de relatórios que registram as alegrias e angústias do povo. No conselho fizemos a programação dos sacramentos para setembro e outubro que irei junto com o Pe. Fabiano para conhecer as comunidades e aprender a celebração em Macua. As visitas são acompanhadas de convívio com o povo, formação, sacramentos da iniciação cristã e matrimônios.
Na carta de acolhida lida pelo animador paroquial o povo manifestou a alegria de terem mais um padre brasileiro da igreja irmã do Rio Grande do Sul. Lembraram da visita de Dom Jaime Kohl que os deixou animados na promessa de mais padres missionários nos próximos anos. O sonho e promessa estavam se concretizando, por isto o clima era de festa e gratidão a Igreja de Porto Alegre e do Regional Sul III.
Das primeiras impressões do povo Macua arrisco afirmar que são místicos, pacíficos e contemplativos no seu olhar, paciência, silêncio e simplicidade no vestir, comer, falar e se expressar. Ainda é muito cedo para fazer uma leitura e reflexão mais profunda, mas já tenho a intuição de que ser missionário é uma graça muito especial de Deus que nos permite a experiência do esvaziamento de tudo o que não é Deus e de sua proposta de vida. É verdadeira a afirmação de quem evangeliza, se evangeliza. Aqui carrego este sentimento que é preciso deixar-se evangelizar e re-aprender com este povo e cultura os valores vividos pelo único mestre, Jesus de Nazaré.
Agradeço à Igreja de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul a graça de descer até os confins do mundo, nas paróquias de Larde e Micane, em tempos do II Sínodo para África e de Aparecida que nos convocam a sermos discípulos e missionários de Jesus Cristo para que Nele todos os povos tenham vida.

Pe.Maurício da Silva Jardim
Missionário na África

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Primeiras impressoes de Mocambique

Primeiras impressões

Depois de dez mil quilômetros percorridos, de Porto Alegre a Nampula (Moçambique), ainda não cheguei ao destino da missão que é o distrito de Moma. No domingo após celebração de preparação ao sínodo da África na catedral de Nampula, vou com o Pe.Fabiano Dalcin, companheiro missionário de Vacaria-RS a sede da missão.
Gostaria de simplesmente expressar os primeiros sentimentos ao chegar nesta terra do continente africano onde o Espírito de Deus me conduziu:
1)As primeiras impressões são de um turista que ficou um dia na capital Moçambicana, Maputo. Caminhei, levando a máquina fotográfica, pelas ruas da cidade com o seminarista Mateus da paróquia de Moma. Logo de chegada vi na capital os gritantes contrastes sociais, como no Brasil. Ao lado das mansões, a beira mar, guardadas por sentinelas, vi moradores de rua e grande parte da população a margem no comércio informal que ocupa boa parte do centro. O pôr do sol no oceano índico se deu as 17h30, sem dúvida o mais belo que já observei. Nas ruas de Maputo, vi um povo jovem e feliz que caminha muito. Entrei no mercado público e vi a feira. A impressão é de que estava em Manaus no Brasil. Os produtos e a organização eram muito semelhantes.
Chamou-me atenção que o volante dos carros, está do lado direito e a preferencial nas ruas é do lado esquerdo. Para andar nas ruas e dirigir preciso de um tempo para converter meus paradigmas, pensei um pouco nisto ligado com o serviço missionário.
O almoço, no único seminário de Teologia do país que tem doze dioceses, me senti o diferente no meio de setenta seminaristas, sete padres e um bispo, todos negros. Pois é, o pais tem apenas um seminário maior, para doze diocesese.
2) Já de chegada, ou melhor ainda no avião, percebi um ar de missão que aqui se respira. Encontrei o Pe. Janivaldo, missionário Claretiano, que voltava das férias no Brasil, junto com a Ir.Clara de um instituto secular de São Paulo. Também encontrei dois padres italianos que são missionários desde o inicio de seu ministério aqui na igreja pobre de Moçambique.
3)Também é muito forte o espírito de acolhida deste povo. Já no vôo de São Paulo a Johannesburg conheci duas senhoras moçambicanas de Maputo. A Filomena e a Lúcia que me falaram muito bem do país e disseram que vou ficar mais tempo do que me proponho. O idioma de fato ajuda muito nestes primeiros contatos, embora exija esforço, devido a pronúncia de Portugal e os verbos sempre no infinitivo, sem gerúndio.
No seminário Pio X, onde fiquei hospedado no primeiro dia de trânsito para Nampula, recebi a visita da Eusébia, irmã do Pe.Benvindo que está no Rio Grande do Sul, estudando. Ela seu marido me convidaram para jantar em sua casa com seu três filhos. Me senti realmente em casa, depois do gesto da acolhida de uma jovem que trazia uma bacia com água para lavar as mãos antes de tomar a refeição. Também fui acolhido por uma criança sorridente que não saia do meu colo. Chegou a chorar quando tive que sair de sua casa. Não sabia que outra janta me esperava na casa da tia do PE. Benvindo. Recusar sentar a mesa para partilhar, seria uma ofensa.
Chegando em Nampula, fui acolhido no aeroporto pelo Pe.Fabiano e Ir.Lurdes.
Estou chegando aos poucos e conversando muito com o Pe.Fabiano, penso que iremos ser bons amigos nesta missão gaúcha. Já começamos sonhar sobre organização de nossa moradia e sobre divisão de trabalhos pastorais. Assumiremos juntos duas paróquias com 130 comunidades, tudo isto com apenas um carro a disposição.
Já visitamos casas da irmãs do Imaculado Coração de Maria, de Santa Paulina e de Jesus crucificado, todas muito identificadas com o povo e culta moçambicana.
Estou feliz e confiante nestas primeiras horas em um novo mundo.
Cada dia terá suas alegrias, ocupações, desafios e saudades de todos amigos e amigas do Brasil e da Alemanha.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Missão em Moçambique


O projeto missionário de Moçambique existe há quinze anos como compromisso da Igreja do Rio Grande do Sul. A missão localiza-se na arquidiocese de Nampula, nas paróquias de Larde e Micane, distrito de Moma, com cento e trinta comunidades. A realidade deste país grita por solidariedade. Como nos diz os missionários Pe. Camilo e Fabiano: “Um povo que vive abandonado, quase sem médicos, dentistas, agrônomos, poucos professores e enfermeiros. São raros os locais de energia e telefone. As estradas e os transportes são precários. A média de vida é quarenta anos. Mais de sessenta por cento da população analfabeta e mais de cinqüenta por cento da população é portadora do vírus HIV”(Livro Partilhas da África, Paulos).
Bendito seja o Espírito de Deus que colocou em meu coração a inquietação de partir para esta terra de missão. Aprendi que a missão começa com presença e compaixão. Exige deslocamento e partida. É a graça da conversão de ir ao encontro, de sair de si, desinstalar-se do comodismo e colocar-se a serviço dos que estão à margem dos “grandes progressos”.
Pensei e rezei muito antes de tomar esta radical decisão missionária. Alguns me questionaram: Por que tão longe? Aqui também não é terra de missão? Claro que aqui é terra de missão, também com grandes desafios para todo povo de Deus. Não é por falta de necessidade ou de trabalho pastoral que estou partindo. Mas simplesmente porque tem lugares mais necessitados de presença e compaixão de um pastor.
Neste dias que antecedem a partida, tenho feito uma leitura de inspiração Bíblica-espiritual e descobri no contexto de minhas experiências de família, fé e Igreja, uma força do Espírito de Deus que foi desde cedo me preparando. É algo a ver com identidade. Somos missionários por natureza do batismo. Este apelo me acompanhou em diferentes situações da vida. Acho importante mencionar os lugares que foram minha escola missionária. Primeiro, a família que me ensinou o amor solidário com os mais pobres e a partilha do que somos e temos. Segundo, a comunidade de Sapucaia do Sul, de onde venho e nas comunidades onde exerci o ministério. Nelas aprendi a importância da presença e do compromisso missionário. Carrego no coração o dinamismo do projeto Missão Popular que nos trouxe a consciência de que na Igreja de Cristo, todo batizado missionário. Terceiro, os cinco anos de liberação diocesana como assessor da pastoral da juventude. Neste lugar aprendi com a juventude o que significa mesmo ser missionário. Chegamos a rodar 150.000 Km para chegar aos 62 municípios de nossa arquidiocese. Foram anos de graça no projeto missão jovem. Outro lugar de aprendizado missionário se deu na fraternidade de padres Jesus Cáritas, lá conheci muitos padres europeus, comprometidos com o povo brasileiro.
Sem dúvida, vou na coragem de tantos que já partiram. Tive a graça de acompanhar e visitar o Pe.Loivo que está na igreja irmã do Xingu e do Rodrigo na Amazônia. Também recordo do Pe.Camilo, Pe.Fabiano, Pe.Roberto e Pe.Almo quando foram a Moçambique. A coragem e decisão deles sempre me inquietaram.
Muito contribuiu recentemente o espírito missionário da Igreja na América Latina, traduzido no documento de Aparecida. É um novo pentecostes em nossa Igreja que exigirá mudanças estruturais. “A conversão pastoral de nossas comunidades exige que se vá além de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária” (370, Aparecida).
Agradeço a comunidade Caravaggio e a arquidiocese de Porto Alegre na pessoa de Dom Dadeus Grings que me enviam na missão de Moçambique. Rezem por este missionário e vivam intensamente este ano Paulino, apóstolo de Cristo.

Vocação e Missão


A vocação tem a ver com identidade, aquilo que realmente somos. Podemos acolher ou negar nossa identidade. Acolhendo, vivemos a experiência de dar sentido à vida e negando vivemos o vazio de sentido em buscas equivocadas de felicidade. A vocação missionária é uma espécie de semente lançada em nós no batismo, com todas as potencialidades para dar muitos frutos. É nossa identidade mais profunda. Faz parte de nosso ser. Somos missionários por natureza, mas é ao longo do caminho que vamos identificando mais e mais, o que realmente somos chamados.
Em minha experiência, percebi a força do Espírito do Senhor que me convoca e envia em missão a nossa Igreja irmã de Moçambique, África. É um chamado irresistível que exige certa radicalidade. Vai crescendo em mim a consciência de que este apelo vem do Espírito de Deus. Pessoas e situações foram instrumentos que facilitaram o discernimento para descobrir este chamado “ad gentes”.
O DVD, produzido pela Rede Vida do Estado e apresentado para os padres no retiro com Dom Jaime me ajudou muito na decisão. Nele uma mulher diz que: “não há verdadeira alegria sem passar pelo sofrimento”. Achei muito profunda esta afirmação. É isto mesmo, sem cruz não há ressurreição. O discípulo(a) de Jesus é convidado a tomar a cruz de cada dia. Somos tentados, como o mestre, a descer da cruz. “Se és Filho de Deus desce da cruz”. Escolher caminhos de facilidade, prazer, poder e vida cômoda, será sempre nossa tentação de descer da cruz, fugindo da dor, dos desafios e sofrimentos. Estou tendo esta graça e coragem de acolher uma vida mais simples e desapegada. De compartilhar o que sou com os pobres e abandonados da África.
Como já afirmei, vou na coragem dos que já foram. Creio que não irei sozinho. De alguma forma estaremos unidos pela oração, amizade e compromisso com a causa dos mais pobres. Todos que participam um pouco de minha história de vida estão me enviando. Não irei em meu nome, mas em nome da Trindade como diz meu lema de ordenação: “Enviado pelo Trindade, a servir com alegria”.
Agradeço a Igreja de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul, nas pessoas de Dom Dadeus Grings e Dom Jaime Kohl, do setor missionário da CNBB pelo apoio e prioridade a causa missionária. A minha comunidade de origem de Sapucaia do Sul e a paróquia N.sra do Caravaggio que acolheu junto comigo este sopro do Espírito. A pastoral de juventude, minha escola missionária. A família, que mesmo sem compreender esta decisão, será junto comigo presença solidária no continente africano. Vou em nome de toda Igreja povo de Deus que confirma esta graça do Espírito e me envia em missão. Conto com as orações de todos vocês.