segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Tempo e missão

Completados três anos na missão, tenho refletido e partilhado sobre o tempo. O tempo cronológico, o tempo como fato ou acontecimento, o “tempo perdido”, o tempo real e o tempo que se faz missão na gratuidade. Concepções múltiplas sobre o tempo que definem estilos e projetos de vida.
Nas reflexões sobre o tempo tenho como base dois mundos. Aquele ao qual sou filho e este ao qual vivo como missionário. Entre as lógicas moçambicanas do povo macua e as nossas lógicas globalizadas, o tempo é marcado ou vivido de modos diversos. O tempo como força que envelhece, mata, distancia, produz e lucra e o tempo como gratuidade, perda, ausência e direito de ser “inútil e improdutivo”.
Aqui na missão acostumamos dizer que um dia parece ter muito tempo. O tempo não é medido e acelerado. O dia termina ou inicia com expressões: “já anoiteceu e já amanheceu”. A noite é feita para dormir. Não se faz mais nada ao anoitecer, além do jantar e do encontro familiar. No ritmo diário se faz uma coisa de cada vez e o tempo real parece ser bem aproveitado. Também se aprende viver e desfrutar do momento presente sem precisar fazer nada. Estar com os outros, ouvi-los ou simplesmente amá-los sem necessidade de produzir, ensinar ou dar algo. A impressão que dá é que o tempo é nosso. Foi dado a nós como oportunidade de estar todo nele na missão que Deus nos confiou.
Neste mundo de poucos relógios e agendas, não se festeja aniversários. Ninguém conhece o dia, mês ou ano de nascimento. As referências são pessoas, acontecimentos ou fatos marcantes. Nasceu no tempo do padre Camilo, antes do ciclone, quando o Morola era rei da tribo. Assim o que determina categorias, idades e fases da vida são outras referências.
No mundo que nasci, onde os relógios estão em toda parte, ouvi sempre pessoas falarem que não tem mais tempo. O tempo lhes foi roubado. Os ladrões ocuparam todo o tempo com agendas lotadas. O paradoxal desta lógica é que não ter mais tempo dá uma satisfação de herói. Convivem conosco estes heróis que há anos não fazem férias e não encontram tempo para si e para os outros, como se tudo dependesse deles. São estes que recebem lugar de destaque e são reconhecidos como vencedores, contudo se tornaram escravos do tempo. Ocupar o tempo desta forma pode dar a sensação de nada ter feito ao término de cada dia, ou ainda mais trágico, nada ter feito no final da vida.
Sem verbalizar agimos como se o tempo fosse dinheiro, por isso não devemos perdê-lo. Desde criança, “nossos educadores” nos ensinaram as leis do mercado competitivo que não admite perdas de tempo. Quem ocupar todo seu tempo chegará por primeiro. Chegará ao topo com muito sucesso e dinheiro, no entanto sem tempo.
Na missão descobri que nós temos o relógio, o calendário e as agendas, mas os africanos é que têm o tempo. Tempo que é governado pelas fases de preparo da terra, plantio, cuidado, colheita e queimadas. Há tempo de espera e de comercialização do produto. Tempo de seca e de chuvas. Tempo de fome e fartura. Tempo de calor e frio. Tempo dos sacramentos e das formações. Na realidade há tempo para tudo e até hoje não ouvi de um moçambicano que não tenho mais tempo.
Aqui os donos do tempo me ensinaram que missão se faz na gratuidade que não se mede e codifica. A missão acontece mais na dimensão do ser que abre brechas no tempo, do que do simples fazer produtivo. Neste sentido, valeram mais as horas e os dias de presença gratuita nas visitas em comunidades.
Assim espero que estas reflexões provoquem novas atitudes e novos olhares sobre o tempo na sua relação com a missão. Que o Pai, dono da missão, continue dando aos trabalhadores da última hora o mesmo salário.

Pe.Maurício da Silva Jardim
Missionário em Moçambique

Um comentário:

lucia disse...

È Padre Mauricio você disse tudo, eu sempre digo que tempo é questão de prioridade, e essa frase não é minha, mas verdadeira. Se opto por ser rico, muito rico, o meu tempo será pequeno para conseguir chegaqr lá. mas se opto por viver a providencia Divina ou trabalhando também, mas colocando amor no que faço, o tempo torna-se algo gratificante. É claro que para quem vive como nós, fora da Africa, percebemos que o mundo do relógio nos coloca obrigações, compromissos, reuniões, e tudo isso reflete ansiedade e a ansiedade faz parecer que não temos tempo para nada. Mas fazer o bem, não toma muito tempo,gostar de alguem, conversar, ouvir, não toma muito tempo. É o tempo necessário que Deus me deu naquele momento para fazer o que ele quer que eu faça. Gostaria de não ser controlada pelo tempo, mas na civilização isso soa quase como irreal, cabe a nós aos poucos impor e estabelecer nossos limites de tempo e escolher o que melhor nos convém. Abraços , amiga Lucia