quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Descer é preciso...


Ao norte de Moçambique e no litoral sul da província (arquidiocese) de Nampula, cidade de Moma, está nossa moradia. Estamos rodeados de visinhos que nos ajudam contemplar o mistério da encarnação. Escuta-se uma mistura de sons já no amanhecer às 5h. São vozes de todo lado na língua Macua, choro de crianças, cânticos dos mulçumanos vindo das mesquitas e estranhos ruídos de corvos que sobrevoam a vila de Moma, contribuindo com a limpeza, pois aqui não há lixeiras e nenhum tipo de sistema de saneamento básico. Doutro lado, não ouvimos sons de TV, telefone paroquial e circulação na secretaria. Nossa casa não se vincula a uma igreja ou secretaria. Nela não há água encanada, mas temos a graça de um poço em nosso terreno e desde julho energia elétrica.
Quando eu e Pe.Fabiano Dalcin estamos em casa, aproveitamos o tempo para como em Nazaré lavar roupas, fazer compras, cuidar da horta, faxinar, rezar, andar pelas ruas, tomar chimarrão, partilhar e programar nossas atividades nas duas paróquias de Micane e Larde que possuem aproximadamente cento e quarenta comunidades.
Participando do conselho pastoral paroquial de Micane que tem noventa e seis comunidades, percebi que tenho novas e distintas inquietações pastorais. De fato, é outro mundo e outra experiência de Igreja. O conselho é composto de quatorze animadores zonais e oito animadores paroquiais dos projetos permanentes. Ficam reunidos um dia meio a cada três meses. Cada membro do conselho, todos homens, prestam contas de suas atividades através de relatórios que registram as alegrias e angústias do povo. No conselho fizemos a programação dos sacramentos para setembro e outubro que irei junto com o Pe. Fabiano para conhecer as comunidades e aprender a celebração em Macua. As visitas são acompanhadas de convívio com o povo, formação, sacramentos da iniciação cristã e matrimônios.
Na carta de acolhida lida pelo animador paroquial o povo manifestou a alegria de terem mais um padre brasileiro da igreja irmã do Rio Grande do Sul. Lembraram da visita de Dom Jaime Kohl que os deixou animados na promessa de mais padres missionários nos próximos anos. O sonho e promessa estavam se concretizando, por isto o clima era de festa e gratidão a Igreja de Porto Alegre e do Regional Sul III.
Das primeiras impressões do povo Macua arrisco afirmar que são místicos, pacíficos e contemplativos no seu olhar, paciência, silêncio e simplicidade no vestir, comer, falar e se expressar. Ainda é muito cedo para fazer uma leitura e reflexão mais profunda, mas já tenho a intuição de que ser missionário é uma graça muito especial de Deus que nos permite a experiência do esvaziamento de tudo o que não é Deus e de sua proposta de vida. É verdadeira a afirmação de quem evangeliza, se evangeliza. Aqui carrego este sentimento que é preciso deixar-se evangelizar e re-aprender com este povo e cultura os valores vividos pelo único mestre, Jesus de Nazaré.
Agradeço à Igreja de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul a graça de descer até os confins do mundo, nas paróquias de Larde e Micane, em tempos do II Sínodo para África e de Aparecida que nos convocam a sermos discípulos e missionários de Jesus Cristo para que Nele todos os povos tenham vida.

Pe.Maurício da Silva Jardim
Missionário na África

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Primeiras impressoes de Mocambique

Primeiras impressões

Depois de dez mil quilômetros percorridos, de Porto Alegre a Nampula (Moçambique), ainda não cheguei ao destino da missão que é o distrito de Moma. No domingo após celebração de preparação ao sínodo da África na catedral de Nampula, vou com o Pe.Fabiano Dalcin, companheiro missionário de Vacaria-RS a sede da missão.
Gostaria de simplesmente expressar os primeiros sentimentos ao chegar nesta terra do continente africano onde o Espírito de Deus me conduziu:
1)As primeiras impressões são de um turista que ficou um dia na capital Moçambicana, Maputo. Caminhei, levando a máquina fotográfica, pelas ruas da cidade com o seminarista Mateus da paróquia de Moma. Logo de chegada vi na capital os gritantes contrastes sociais, como no Brasil. Ao lado das mansões, a beira mar, guardadas por sentinelas, vi moradores de rua e grande parte da população a margem no comércio informal que ocupa boa parte do centro. O pôr do sol no oceano índico se deu as 17h30, sem dúvida o mais belo que já observei. Nas ruas de Maputo, vi um povo jovem e feliz que caminha muito. Entrei no mercado público e vi a feira. A impressão é de que estava em Manaus no Brasil. Os produtos e a organização eram muito semelhantes.
Chamou-me atenção que o volante dos carros, está do lado direito e a preferencial nas ruas é do lado esquerdo. Para andar nas ruas e dirigir preciso de um tempo para converter meus paradigmas, pensei um pouco nisto ligado com o serviço missionário.
O almoço, no único seminário de Teologia do país que tem doze dioceses, me senti o diferente no meio de setenta seminaristas, sete padres e um bispo, todos negros. Pois é, o pais tem apenas um seminário maior, para doze diocesese.
2) Já de chegada, ou melhor ainda no avião, percebi um ar de missão que aqui se respira. Encontrei o Pe. Janivaldo, missionário Claretiano, que voltava das férias no Brasil, junto com a Ir.Clara de um instituto secular de São Paulo. Também encontrei dois padres italianos que são missionários desde o inicio de seu ministério aqui na igreja pobre de Moçambique.
3)Também é muito forte o espírito de acolhida deste povo. Já no vôo de São Paulo a Johannesburg conheci duas senhoras moçambicanas de Maputo. A Filomena e a Lúcia que me falaram muito bem do país e disseram que vou ficar mais tempo do que me proponho. O idioma de fato ajuda muito nestes primeiros contatos, embora exija esforço, devido a pronúncia de Portugal e os verbos sempre no infinitivo, sem gerúndio.
No seminário Pio X, onde fiquei hospedado no primeiro dia de trânsito para Nampula, recebi a visita da Eusébia, irmã do Pe.Benvindo que está no Rio Grande do Sul, estudando. Ela seu marido me convidaram para jantar em sua casa com seu três filhos. Me senti realmente em casa, depois do gesto da acolhida de uma jovem que trazia uma bacia com água para lavar as mãos antes de tomar a refeição. Também fui acolhido por uma criança sorridente que não saia do meu colo. Chegou a chorar quando tive que sair de sua casa. Não sabia que outra janta me esperava na casa da tia do PE. Benvindo. Recusar sentar a mesa para partilhar, seria uma ofensa.
Chegando em Nampula, fui acolhido no aeroporto pelo Pe.Fabiano e Ir.Lurdes.
Estou chegando aos poucos e conversando muito com o Pe.Fabiano, penso que iremos ser bons amigos nesta missão gaúcha. Já começamos sonhar sobre organização de nossa moradia e sobre divisão de trabalhos pastorais. Assumiremos juntos duas paróquias com 130 comunidades, tudo isto com apenas um carro a disposição.
Já visitamos casas da irmãs do Imaculado Coração de Maria, de Santa Paulina e de Jesus crucificado, todas muito identificadas com o povo e culta moçambicana.
Estou feliz e confiante nestas primeiras horas em um novo mundo.
Cada dia terá suas alegrias, ocupações, desafios e saudades de todos amigos e amigas do Brasil e da Alemanha.