segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Evangelizar a pé


“Wetta ni Yesu orera” (Andar com Jesus é bom). Embalado por este refrão percorri a pé junto com cinco seminaristas mais de cem quilômetros numa peregrinação que durou quinze dias, visitando quinze comunidades. Saímos de Moma dia trinta de dezembro levando em nossas sacolas as recomendações de Jesus aos seus discípulos. “Nada leveis pelo caminho: nem cajado, nem alforje, nem pão, nem dinheiro, nem tenhais duas túnicas”(Lc9,3).
Ao longo do caminho fomos contagiados pelo espírito de festa do povo. De uma comunidade a outra um grande número de pessoas nos acompanharam, a maioria jovens que percorriam cinco, dez ou quinze quilômetros, cantando e dançando pelas vias empoeiradas ao som de muito batuque. Mesmo enfrentando um forte calor, nada pode abafar a alegria expressa em cada rosto que encontramos.
A pergunta que mais ouvimos trazia um ar de admiração: “Porque andar a pé se o padre tem carro?” “O que houve com o carro? Está na oficina?”. Tentava dizer algo de minhas motivações pessoais, tais como: - Inspiração de Deus dentro do ano Paulino; ir ao encontro do povo e conhecer melhor a realidade. Partilhei com eles que a idéia nasceu numa ocasião quando passava de carro por aquela estrada e vendo tantas comunidades e pessoas a pé, carregando muitas coisas pesadas em suas cabeças, me perguntei: Porque não fazer a pé este caminho?
Fui pouco a pouco descobrindo que o fato de percorrer a pé estas quinze comunidades trazia consigo um forte conteúdo de Evangelização. No principio não imaginei que seria tão grande a repercussão desta escolha. Entendi ao longo do caminho que a iniciativa primeira era do Espírito de Deus e que cada um interpretaria de maneira diferente. Na comunidade de Maculane uma liderança expressou sua posição: “Não se faz evangelização somente de carro”. Um catequista disse que as longas distâncias não podem ser justificativa para se acomodar e ficar em casa esperando a solução cair do céu.
Aqui no chão africano muitas vezes tenho me perguntado o que é mesmo evangelizar. Sempre ouvi que a missão da Igreja é anunciar, pregar, servir, testemunhar, dialogar e formar. Neste caminho vive a forte experiência de evangelizar pela presença gratuita, com meios pobres e com poucas palavras. “Estar com”, visitar, ouvir, partilhar e celebrar a Eucaristia para um povo que fica mais de um ano sem missa, foi o próprio conteúdo pregação.
Neste caminho até Chalaua predomina um cenário de pobreza social. Ouvimos sempre preocupações sobre a fome, a falta de condições para o estudo da juventude e carência de atendimento médico e medicamentos. Como símbolo de exploração do povo, encontramos na contramão uma média de dez caminhões de Chineses que diariamente carregam toneladas de madeira. Algumas áreas de Moçambique já estão desérticas, fruto do desmatamento.
Um dos pontos fortes desta caminhada foi a visita aos doentes. Acompanhados pela comunidade chegamos à casa de quarenta e seis pessoas enfermas em estado grave, a maioria sem diagnóstico, sem atendimento ou remédios. Por isso, apelam para soluções da cultura e religião tradicional. Buscam ajuda no curandeiro e no advinha que receitam medicamentos de plantas naturais. Grande parte morre sem saber a “causa mortis”. Em algumas situações pensei que seria providente que neste caminho estivesse comigo um médico e uma autoridade política. Na maioria dos casos fiquei sem resposta ou encaminhamento diante desta realidade.
Nestes quinze dias de intensa vivência e convívio nas comunidades também aproveitei para rezar pedindo ao dono da messe que envie mais padres gaúchos, religiosos(as) e leigos(as) para este grande campo de missão. Sei do empenho dos bispos e responsáveis pelo setor missionário da CNBB que tem a tarefa de motivarem as dioceses do Regional Sul III para continuarmos no compromisso com nossa Igreja irmã de Moçambique. Desde o inicio de dezembro, com o retorno do padre Fabiano Dalcin ao Brasil, estou como padre sozinho para atender as duas paróquias com cento e quarenta comunidades.
Concluo com a expressão do papa PauloVI: “quem evangeliza, se evangeliza”. Neste caminho o povo nos evangelizou, pregando o evangelho da partilha, da acolhida, do despojamento, da fé comprometida, da sede de Deus na Eucaristia, da força da comunidade, da resistência no sofrimento e da alegria no Cristo ressuscitado.
Pe.Maurício da Silva Jardim
Missionário em Moçambique