domingo, 26 de outubro de 2008

Comunicar-se è preciso....


Curioso, como sou, vou aos poucos descobrindo o universo juvenil moçambicano. Partilho com vocês minha participação num encontro paroquial da Pastoral da Juventude com jovens coordenadores dos grupos das comunidades. Para conhecer um pouco de sua realidade, dividi-os em pequenos grupos com a seguinte questão: O que o jovem pensa, vê, ouve, cheira, fala, faz, sente e por onde anda?
Com olhar sereno, jeito tímido e voz suave disseram que o jovem do norte de Moçambique pensa em prolongar sua vida juvenil e continuar no grupo. Eles vêem jovens sem estudar e sem participar da comunidade. Ouvem coisas boas e ruins, cheiram a novidade da Palavra de Deus. Falam da falta de livros, da preocupação com a salvação e de não se casarem catolicamente. Fazem adultérios, divórcio e caridade. Sentem dificuldades de acesso a escola, de perseverança na comunidade e andam por caminhos de tentações.
É complexo definir o que é juventude neste país de rosto jovem com sessenta por cento da população com menos de vinte cinco anos de idade. Aqui crianças e adultos, na minha visão, participam dos encontros de jovens. Identificam-se como jovens, embora já com filhos e com vida independente.
Andam em grupos, procuram trabalho e lazer. Encontro-os indo para escola, a mesquita, a Igreja e caminhando pelas ruas empoeiradas. Paro nas esquinas para criar comunicação, ouvindo suas dúvidas sobre o mundo da América Latina que apenas ouviram falar. Gostam de futebol, mas não conseguem comprar uma bola. Estão desconectados das informações do que acontece no mundo e na política local.
Embora a problemática de acesso ao ensino de qualidade, ao sistema de saúde falido, a contaminação do vírus HIV, o desemprego, não lhes falta comunicação pessoal e a alegria expressa em largos sorrisos. Valorizam a simples presença. Falam pouco e observam muito. Escondem uma sabedoria na relação com o tempo. Vivem longe da lógica de que “tempo é dinheiro”. O tempo está a serviço da vida e da felicidade. São donos do tempo. Passam horas partilhando vidas e contemplando o mundo ao redor. Comunicam sem palavras que crêem em Deus, comunidade de amor.
Antes de sair do Brasil alimentei-me da novidade dita no documento Evangelização da Juventude: “É preciso aprender a ler, na juventude, as sementes ocultas do Verbo (nº. 80), aprendendo a ver um Deus que é real dentro do jovem no seu modo juvenil de ser, isto é, considerar o jovem como lugar teológico, considerando que Deus nos fala pelo jovem (nº. 81)”. Estas reflexões ficaram vivas no coração. Lembro disso e também aplico no meu encontro com a juventude africana. Sempre repito em voz baixa: Eles são uma realidade teológica que é preciso apreender a ler e desvelar. Este novo olhar tem me ajudado a criar comunicação e superar pré-conceitos do meu imaginário juvenil.
Estou em comunhão com todos(as) que estão celebrando o Dia Nacional da Juventude. Aqui em terras africanas sinto-me entrando no túnel do tempo, longe do mundo das comunicações virtuais. Aqui ainda se pauta a necessidade de construir latrinas e casas de banho no centro de formação paroquial. Outra novidade é o curso de datilografia que quatro lideranças da paróquia estão fazendo. A comunicação é sempre pessoal e talvez seja ainda a forma mais eficaz de criar verdadeiras relações.
Na verdade, tenho pouco a dizer. Proponho-me a escutar mais para desvelar este mistério de Deus que se esconde na juventude no seu modo de ser, agir e comunicar-se.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Ainda não descobri minha missão em Moçambique...

Quarenta dias se passaram desde que cheguei na África e ao chegar o mês missionário encontro na liturgia a inspiradora figura de Santa Teresa do menino Jesus. Seu caminho espiritual carregava a pergunta: “Qual minha vocação na Igreja?”. Lendo os escritos paulinos, ela se deparou com a primeira carta aos Coríntios (capítulo XII e XIII), onde percebeu que nem todos podem ser ao mesmo tempo apóstolos, profetas, doutores, etc..., que a Igreja é formada por membros diferentes e que os olhos não podem ao mesmo tempo ser as mãos.
Meus sentimentos nestes dias trazem a mesma questão. Qual minha missão em Moçambique? Das primeiras vivências permito-me levantar alguns questionamentos:
Quando visito as comunidades e me encontro com as crianças e jovens, tenho a impressão de que minha primeira missão é ser presença gratuita. Não dizer muito, simplesmente ser presença. Visitá-los, ouvi-los, ousar conhecer um pouco de sua cultura, responder suas curiosidades, entrar em suas casas e sentar-se ao chão para uma refeição.
Quando me dou conta da seriedade do itinerário catequético das comunidades. Quatro anos de iniciação cristã. Vejo a necessidade e espera pelos sacramentos do batismo, eucaristia, reconciliação e matrimônio. Os batismos chegam a dois mil em apenas um ano nas duas paróquias que atendemos. Aí percebo minha missão sacerdotal de celebrar os sacramentos e proclamar a Palavra de Deus.
Quando vejo e ouço sobre a falta de água e comida em tempo de seca, penso na missão necessária de apoiar e acompanhar os projetos de construção de poços, cisternas e dos barcos para pesca. São oito poços construídos a cada ano em nossas comunidades e como experiência piloto há duas cisternas e dois barcos de pesca em funcionamento.
Quando estou em nossa casa em Moma, vivo a experiência de descer até Nazaré e viver o cotidiano entre os visinhos do distrito de mais de quarenta mil habitantes. Aqui minha missão é mais oculta, não menos necessária. É neste espaço que permito-me refletir, ler e escrever, claro sem deixar de varrer o chão, lavar roupa e cozinhar.
Santa Teresa, na sua busca vocacional descobriu enfim sua missão: “No coração da Igreja eu serei o amor”. Penso fundamental esta iluminação. Nossas atividades pastorais precisam ter coração, não só cabeça. Os encontros se dão com pessoas e não com idéias e projetos. Aí começo intuir um pouco de minha missão. Mas confesso que nesses primeiros quarenta dias tenho a tentação de dar respostas e de resolver meus questionamentos. Aí surgem exemplos do meio do povo que pregam o evangelho sem usar palavras. Suas vidas falam do caminho do despojamento, da gratuidade e dos valores do Reino de Deus. Impressionou-me no último final de semana três crianças de nove ou dez anos que caminharam quinze quilômetros para participarem dos sacramentos em outra comunidade. Chegaram as 8h na Igreja para celebrarem a eucaristia. Depois do almoço, o Amissi José, o Gildo e a Gilda voltaram conosco porque também em sua comunidade chegara o dia prometido de visita da equipe missionária.
Nos caminhos longos que percorremos pelas estradas de chão cheias de buraco é que me vem estes sentimentos. Estes últimos quarenta dias me fizeram muito bem e talvez sejam os mais intensos do meu caminho percorrido. Tiveram gosto de um retiro prolongado e inquietante sobre minha nova missão. Deus continue me conduzindo por caminhos de abertura missionária onde o evangelizador se deixe evangelizar.

Pe.Maurício Jardim – 1 de outubro de 2008.
Missionário em Moçambique - África